Reflexão do XXIV Domingo do Tempo Comum
“Eu vos digo: Assim haverá no céu mais alegria por um só pecador que se converte, do que por noventa e nove justos que não precisam de conversão”. - Lc 15, 7;
Da solidão à Solitude:
Quando fomo chamados a abandonarmo-nos a nós e aos nossos para assim abraças a Cruz o fizemos numa profunda experiência de encontro místico com o Cristo, Jesus. Na epifania desta decisão somo transbordados da presença do Espírito Santo, e sentimo-nos os homens e mulheres mais amados do planeta, aparenta-nos que Deus está conosco e que jamais nos vai deixar. Nada nos faz falta, ou nos cativa, além do cativante Amor de Deus. Com o coração cheio desta presença sublime saímos ao mundo anunciando com ânimo as maravilhas que foram feitas em nossa vida, buscando que outros sintam o mesmo que sentimos. Como a criança que ao provar o sabor de um novo sorvete que venha a achar delicioso, o oferece aos demais amiguinhos, buscando assim que todos, assim como ele saboreiem tal delícia.
Com o passar dos dias, semanas, meses e anos nesta tão aprazível missão, a resolução já não é a mesma, as pedras no caminho diminuem o vigor das passadas e aumentam o cansaço da viagem. A presença Amorosa, que nos despertava diariamente e nos punha de pé, já não está mais ali, passamos a encontra-la com mais delonga, e por vezes passam-se dias em que não a sentimos. Assim como o povo hebreu que jazia no deserto, e sentindo-se abandonados por seu Deus, passam a venerar deuses novos:
Bem depressa desviaram-se do caminho que lhes prescrevi. Fizeram para si um bezerro de metal fundido, inclinaram-se em adoração diante dele e ofereceram-lhe sacrifícios, dizendo: ‘Estes são os teus deuses, Israel, que te fizeram sair do Egito!’” - Ex 32, 8.
De mesmo modo fazemos nós, nos dias de hoje, na volatilidade da vida moderna, em que tudo é rápido e fácil, como os "fastfoods". Quando rezamos brevemente e não encontramos Deus, ou não ouvimos respostas já buscamos outra fonte de resposta, seja no misticismo de advinhas, tarôs, astrologia ou qualquer outra bobagem mundana. Ou pior, quando não nos sentimos amados por Deus, e esta é uma das mais comuns e profundas fontes de todos os males humanos, buscamos outras fontes de amor, sem saber que não há outra fonte de amor que não seja o próprio Deus. Encontramo-nos então com fontes de prazeres, prazeres mundanos, viciantes e passageiros, sejam eles a TV, o dinheiro, a luxúria, a gula, dentre outros piores. Buscando preencher o vazio que nos consome, mas que só pode ser preenchido por Deus, como afirma Santo agostinho: "Todavia, o homem, partícula de tua criação, deseja louvar-te. Tu mesmo que incitas ao deleite no teu louvor, porque nos fizeste para ti, e nosso coração está inquieto enquanto não encontrar em ti descanso - Confissões 1.1".
Temendo a solidão, que Cristo abraça na Cruz com magnificência, ignoramos a força da solitude. Solitude é um isolamento voluntário. Essa expressão foi muito usada pelo pensador Paul Tillich, que associou o termo à glória e felicidade de estar sozinho. Na solitude, conseguimos entrar em contato com nosso mundo interno, colocar os pensamentos em ordem e observar o significado das nossas emoções. foi na solitude que Cristo salvou o mundo, e nos chama a com Ele prosseguir.
Sendo o Último, sou o Primeiro:
Descobrindo, primeiro a importância da solitude, conseguimos olhar para dentro e nos compreendermos enquanto filhos de Deus completos e em pleno sentido. A partir dai podemos nos colocar em nosso devido lugar, e nesta questão o mundo diria que devemos tomas os primeiros acentos, pois somo modelos de Cristo. Somos escolhidos e chamados, somos especiais, vestimos roupas bonitas para ir a casa do Pai, e quando no púlpito da liturgia a opulência é maior, inflamo-nos feito pavões de dourado e carmim, com vestes mais caras de todas as posses de muitos filhos de Deus, sob a desculpa de que: "para Deus Tudo!".
Esquecemos que não fomos chamados por sermos portadores de dons extraordinários, nem porque ficamos bonitos e majestosos no serviço divino. Fomos chamados para sermos salvos, por piedade e misericórdia divina, que vendo que seus filhos caminham para o abismo, o resgata e o põe no seio de sua casa, sentados em sua mesa, até que retirando-se do lar, tudo põe em nossas mão e pede que com gentileza administremos seus bens.
Reconhecendo a complacência do mestre, agimos com bondade e retidão, distribuímos em seu reinos os dons que possuímos (não como propriedade, pois não são nossos de fato, mas sim por posse, pois nos foram dados, os dons, pelo Senhor de todos os dons, e nos serão tirados se assim for sua vontade), como forma de gratidão por tão compassivo obséquio. E na compreensão de nossa pequenez e de nosso imerecimento, assumimos o lugar último, sendo assim chamados pelo proprietário a assumir o primeiro lugar, não para ser servido, mas para servir.
O Júbilo de Deus:
É neste entendimento que Deus nos chama a sua casa. Primeiramente compreendendo que somos, que não somos grande coisa, mas que nossa insignificância tem grandeza para Deus, pois onde há fraqueza, superabunda a Graça de Deus. Sabendo disse Ele nos chama a sua presença, nos chama a sentarmos em sua mesa e partilharmos de seus alimentos que fortalecem e curam. Compreendendo que Ele não veio aos que estão saciados e curados, mas veio aos que tem fome e estão doentes. E nisto está sua essência e vocação, pois a vocação de Deus é responder ao clamor de seus filho.
Por isso há mais júbilo nos céus pela ovelha perdida, aquele filho que faminto ou doente chorou e foi ouvido, do que peva ovelha no aprisco alimentada e saudável. Peçamos a Deus a Graça e a Coragem de chorar e clamar seu nome quando perdidos, e o discernimento de sabermos quando estamos perdidos ou não, pois cega-nos o mundo para confundir-nos e fazer-nos pensar que os prazeres mundanos são fontes da verdadeira alegria e fazer-nos trocar os bens da eternidade pelos bens passageiros. Que com o auxílio de São Miguel Arcanjo possamos vencer as maldades do inimigo e vencer o pecado. Assim seja!
Dado da Cúria Franciscana, Convento de São Frei Galvão, Gabinete do Diretor Espiritual, 11 de Setembro do Ano de Nosso Senhor de 2022.
Frei João Paulo Cantalamessa, OFM
Diretor Espiritual